31.3.08

Homenagem a Daniel Berg, co-fundador junto com Gunnar Vingren da Assemléia de Deus - um pioneiro pentecostal nas selvas do Brasil




Daniel Berg,

um pioneiro pentecostal nas selvas do Brasil

 

Ao se aproximar do Oceano Atlântico, o rio Amazonas divide-se à direita e à es­querda. Nesse trecho, alarga-se muito e re­cebe, à direita, o nome de rio Pará, for­mando o amplo espaço aquático da baía de Marajó, desaguando em seguida no ocea­no. Para alcançar Belém, capital do Esta­do do Pará, os navios vindos do Atlântico penetram a baía e navegam as águas em sentido contrário ao curso do rio, aproxi­mando-se do porto da cidade pela margem esquerda.

No dia 19 de novembro de 1910, deze­nas de pessoas acompanhavam as ma­nobras de navegação de um grande navio que se aproximava do Cais de Belém. A realização de várias atividades portuárias naquela manhã não permitiu que o navio Clement atracasse no cais. Por esse moti­vo, um barco foi enviado para transportar os passageiros do navio que chegara de Nova Iorque e acabara de lançar âncora ao largo do porto.

Quando o barco se aproximou do cais, trazendo os passageiros, um grupo de ho­mens, mulheres e crianças começou a ace­nar, a sorrir, a gritar, a bater palmas, a pronunciar nomes, numa efusão de alegria autenticamente brasileira. Ao desembar­carem, os passageiros viram-se rodeados pelos parentes e amigos, que, entre pala­vras, sorrisos e abraços, ajudavam-nos a levar a bagagem. Quando quase todos já haviam desembarcados, dois homens, em­punhando firmemente as alças de suas malas, pisaram solenemente na platafor­ma do cais. Não havia ninguém à espera deles. Porém, o desembarque desses dois estrangeiros em solo brasileiro, numa clara manhã de novembro, terá em breve um grandioso significado para a história do Movimento Pentecostal no Brasil.

Nesse momento, os pés desses dois ho­mens estão a pisar firmemente o solo de um país que eles ainda desconhecem, mas em breve aqueles pés tornar-se-ão cansa­dos e feridos, porém formosos sobre os montes, pedras, selvas, espinhos e cidades brasileiras, quando os dois missionários saírem a anunciar as Boas-novas de salva­ção. Aqueles dois homens ainda não enten­dem nenhuma palavra da língua portugue­sa, mas são capazes vde falar em mistério com Deus. Ambos não refletem em seus semblantes a alegria que se vê estampada nos rostos amorenados dos homens, mu­lheres e crianças que falam alto, se abra­çam e se afastam do cais, mas nos corações daqueles dois estrangeiros arde a chama do Espírito Santo, um fogo suficiente para produzir cânticos e júbilos tão intensos, .que em breve irromperão nos lábios e nos corações das primeiras almas resgatadas das trevas para fazerem parte do grande rebanho da Assembléia de Deus no Brasil.

Nascidos na Suécia, eles embarcaram em Nova Iorque naquele navio desconfor­tável que acabara de chegar a Belém. Além da grande fé que trazem nos cora­ções, e da pouca bagagem contida em suas malas, eles dispõem de uma quantia tão pequena de dinheiro, que não lhes permite aceitar que os carregadores transportem suas malas.

Um deles é alto, forte, pele clara, cabe­los e bigodes escuros, olhar sereno e decidi­do. O outro é de estatura mediana, loiro, olhos azuis, a olhar com firmeza e sereni­dade para todas as coisas. O mais alto cha­ma-se Daniel Berg. O outro, Gunnar Vingren. Ambos foram enviados por Deus para trazer o Pentecoste ao Brasil.

Quando ainda estavam em Nova Ior­que, Daniel e Vingren haviam decidido comprar passagens de terceira classe, a fim de economizarem o pouco dinheiro de que dispunham. Conseqüentemente, quase não puderam se alimentar durante a via­gem, pois a comida que serviam aos passa­geiros dessa classe era de má qualidade. Por esse motivo, ao se distanciarem do cais, a primeira resolução que tomaram foi localizar.um restaurante, quando então, e pela primeira vez, puderam servir-se de pratos autenticamente brasileiros.

Após saírem do restaurante, Vingren perguntou a Daniel:

-  E agora Daniel, para onde vamos?

- Vamos subir por esta rua, Vingren, e certamente Deus nos orientará sobre o que devemos fazer.

 

 

A cidade eterna

Carregando suas malas, os dois embai­xadores do Deus Altíssimo começaram a subir lentamente a rua. Tudo o que viam ali era infinitamente diferente do que ti­nham visto nos Estados Unidos e na Sué­cia. As torres altas das belas casas em esti­lo colonial contrastavam com os casebres extremamente pobres que circundavam a cidade. Ruas pedregosas e poeirentas se ra­mificavam em várias direções opostas ao rio. Transitando normalmente por essas ruas, vários leprosos, que haviam acorrido à Belém ao ouvirem dizer que naquela ci­dade fora descoberta a cura da lepra, expu­nham ao olhar dos transeuntes os seus cor­pos mutilados pela doença. Ao contempla­rem este quadro doloroso, um sentimento de compaixão e de amor invadiu os seus corações.

Enquanto caminhava observando a paisagem que se estendia adiante dos seus olhos, é provável que Daniel Berg tenha-se lembrado de sua pequena cidade natal, Vargon. Certamente, nada havia em co­mum entre aquela que era conhecida na Suécia como "a Ilha do Lobo", e a cidade de Belém. Porém, ao contemplar aquelas ruas e aqueles homens e mulheres curiosos, muitos deles pobremente vestidos, a anda­rem para lá e para cá como ovelhas desgar­radas que não têm pastor, Daniel Berg deve ter-se lembrado dos montes, das fon­tes abundantes e dos lagos cristalinos de Vargon, a cidade montanhosa, o lugar pre­dileto dos reis da Suécia para a realização de caçadas.

E certamente naquela hora desejou fa­lar àquele povo da existência de um lugar muito diferente de Belém, e até mais belo e infinitamente mais vasto do que sua cidade natal; um lugar onde não há ruas pedre­gosas e acidentadas, nem casas mal ilumi­nadas e pobres, ou pessoas sem mãos, sem orelhas, sem nariz e sem dedos a andar pe­las ruas.

Ele lhes falaria da Jerusalém Celestial, a pátria eterna de todos os que aceitam a Jesus como Salvador, e guardam sua Pala­vra no coração; a Cidade das Doze Portas, em cujas ruas de ouro e cristal, em tempo sempre sereno e claríssimo, brilha o Sol da Justiça; onde, quando se iniciar o jubileu das eternas bem-aventuranças, os salvos e remidos pelo sangue do Cordeiro viverão eternamente nas amplíssimas regiões ce­lestiais.

 

 

Primeiras referências sobre os evangéli­cos

Após andarem durante algum tempo, os missionários resolveram sentar-se em um banco de jardim, e ali fazer uma ora­ção. Em seguida sentiram desejo de voltar na direção do porto. Uma família que tam­bém viajara no navio Clement, e falava in­glês, os encontrou e lhes indicou um hotel. Ali os missionários entraram em contato com outra pessoa que também falava in­glês, e esta informou que conhecia um evangélico naquela cidade, mas não sabia onde morava.

Já era noite. Os missionários trataram então de arranjar um quarto naquele hotel. Ao fazerem um balanço de suas finanças, descobriram que só dispunham de quatro dólares e alguns cêntimos. Não ficaram nada surpresos ao saber que um quarto para duas pessoas custava 16 mil réis (o equivalente, na época, a quatro dólares). Com o restante pagariam a passagem de bonde no dia seguinte.

Ao se recolherem para dormir, Vingren deparou-se com um jornal jogado no chão. Certamente o hóspede anterior o esquecera ali. Apesar de não entender nada da língua portuguesa, o missionário passou a folheá-lo assim mesmo. Súbito, gritou para Da­niel:

- Aqui está, Daniel, a resposta de Deus! O redator deste jornal é o irmão Justus Nelson, um pastor metodista que eu conheci na América do Norte. Amanhã nós iremos procurá-lo, e ele certamente nos da­rá as orientações de que necessitamos.

Naquela noite Daniel Berg e Gunnar Vingren elevaram seus corações ao Onipo­tente e misericordioso Deus, e agradece­ram o cuidado e o amor que Ele estava ten­do sobre suas vidas, e a direção e a paz que enchia seus corações. Confiantes em Jesus, o sublime e seguro guia de suas almas, adormeceram.

 

 

Em casa do pastor batista

No dia seguinte, após pedirem que Deus os conduzisse, tomaram o café da manhã e saíram à procura do pastor meto­dista. Ao chegarem à casa do irmão Justus Nelson, este os recebeu alegremente. Após contar-lhes as muitas experiências que vi­vera ali, o irmão Nelson tratou de conduzir os missionários ao pastor batista local, ir­mão Erik Nilson, também de origem sue­ca.

Erik Nilson recebeu alegremente os seus compatriotas e irmãos na fé. Quando soube que estavam hospedados em hotel, convidou-os a morar no porão da igreja, e a auxiliá-lo nos trabalhos da igreja (Batis­ta), em Belém, situada na Rua João Balby, n" 406. Daniel e Vingren aceitaram o con­vite. Voltaram para apanhar a pouca ba­gagem que lhes pertencia, e passaram a morar em um corredor escuro e abafado.

A notícia de que dois missionários ha­viam recentemente chegado dos Estados Unidos alcançou rapidamente as quatro igrejas evangélicas existentes em Belém. E logo Daniel e Vingren passaram a visitar as igrejas, pois todos queriam vê-los e ouvi-los. Em uma dessas igrejas, os missionários cantaram em duas vozes o hino "Jesus Christ is made to me, ali I need, ali I need" (Jesus Cristo é tudo para mim, tudo o que eu necessito, tudo o que eu necessito), e o poder de Deus caiu maravilhosamente sobre os irmãos!

Já em suas primeiras pregações, Daniel e Vingren passaram a falar acerca do batis­mo com o Espírito Santo. Este assunto era novidade para quase todos os crentes ba­tistas, e para os das outras denominações também. Porém, alguns deles já tinham ouvido ou lido anteriormente acerca do as­sunto, mas não sabiam que a promessa do batismo com o Espírito Santo era também para eles. Após a chegada dos missioná­rios, o número de ouvintes da Palavra de Deus aumentou rapidamente. Antes, nem os cultos aos domingos conseguiam encher a metade do templo. Quando Vingren e Daniel Berg passaram a tomar parte ativa nos trabalhos, o templo da igreja Batista encheu de tal maneira que muita gente teve de assistir aos cultos em pé.

 

 

Conhecendo os segredos da selva

Um mês após haverem chegado ao Pa­rá, os missionários foram convidados pelo irmão Adriano Nobre, que era membro da Igreja Presbiteriana em Belém, para uma viagem à casa dos seus pais. Os pais de Adriano moravam em uma localidade cha­mada Boca do Ipixuna. Ali os seringueiros extraíam borracha. Durante três dias seguidos, Vingren e Daniel viajaram de bar­co por diversos rios. Foi então que pude­ram entrar em contato com aquela selva imensa, com árvores que pendiam seus frondosos galhos para dentro dos rios; com belíssimas orquídeas e grandes cipós arqueados como arcos de triunfo, a saudar o avanço dos dois servos de Deus pelos mis­térios da selva!

Árvores arrancadas pelas águas des­ciam lentamente na correnteza. Derivando-se dos rios maiores, dezenas de afluen­tes abriam-se em leque, serpenteando por entre a floresta, formando ilhas, alagadiços e igapós. Abrindo o vôo, bandos de pássa­ros cortavam o límpido e sereno céu sobre as selvas. No alto das árvores, subitamen­te, macacos pulavam com agilidade de um galho para outro. Havia crocodilos nas margens dos rios, borboletas coloridas que, aqui e ali, voavam no ar onde se respirava o perfume agreste das flores tropicais. Mas também havia as pragas. O carapanã (mosquito) atacava ao anoitecer e só dava tréguas pela manhã, quando era substituí­do pela mutuca (espécie de mosca san­guessuga).

Curiosos e maravilhados diante do mundo de beleza e mistério que se estendia diante dos seus olhos, os missionários ou­viam, durante o dia, cantos, silvos, urros e estalidos que contrastavam com o silêncio que, à noite, caía sobre os animais adorme­cidos e ocultos entre as gigantescas árvo­res.

Viajando por rios estreitos e largos, os missionários puderam contemplar a beleza daquelas noites sossegadas, noites em que, no plenilúnio, o majestoso luar se apossa do escuro azul do céu, e as estrelas brilham à flor dos rios como um bando de aves de prata.

Quando se aproximaram da localidade onde moravam os pais de Adriano Nobre, Vingren e Daniel viram, às margens dos rios, casas erguidas sobre pilares de madei­ra - as palafitas. Ficaram felizes ao saber que no interior de algumas delas moravam famílias evangélicas. Ali participaram de pequenas reuniões de oração, onde pude­ram pregar a Palavra de Deus e cantar em português alguns hinos decorados. Os mis­sionários comeram do que havia de melhor no interior daqueles humildes lares: fari­nha, arroz, feijão sem sal, carne seca e café sem leite. No final de um mês e meio, re­tornaram a Belém.

 

 

O primeiro batismo com o Espírito Santo

Para obterem dinheiro e poderem pa­gar um professor de português, ficou trata­do que Daniel voltaria a exercer o ofício de fundidor que aprendera nos Estados Uni­dos, enquanto Vingren estudaria durante o dia. À noite, Vingren ensinaria a Daniel o que aprendera. E assim, com muito esfor­ço, aprenderam o português. O salário de 12 mil réis por dia proporcionou aos mis­sionários condições de se manterem relati­vamente bem e poderem comprar Bíblias e Novos Testamentos nos Estados Unidos.

Os irmãos passaram a visitar a moradia de Vingren e Berg, e no decorrer do tempo, comprovaram que eles eram homens de oração e de fé, e viviam o que pregavam. Nessa ocasião, os missionários ficaram sa­bendo que muito antes de sua chegada a Belém, os diáconos da igreja Batista esta­vam orando todos os sábados, pedindo a Deus que enviasse mais missionários ao Brasil. Portanto, Daniel e Vingren eram considerados por esses irmãos como res­posta às suas orações.

Além do mais, o fato de os dois missio­nários viverem naquele porão em condi­ções tão precárias e continuarem sadios e dispostos a pregar a Palavra de Deus a qualquer hora do dia ou da noite, era uma indiscutível prova de que Deus os enviara.

Os irmãos que se reuniam na moradia dos missionários passaram a receber com mais assiduidade ensinamentos acerca do batismo com o Espírito Santo e da cura di­vina. No quartinho existente naquele porão, e nos lares de alguns crentes da igreja Batista, vários cultos passaram a ser reali­zados. Num desses cultos, Gunnar Vingren perguntou a uma irmã que sofria de câncer nos lábios, se ela estava disposta a abando­nar todos os remédios que usava e crer que Jesus a podia curar naquele momento. Ela respondeu que sim. Os irmãos oraram e o Senhor a curou completamente!

Aquela irmã chamava-se Celina de Al­buquerque, e nos cultos de adoração que se seguiram, ela começou a pedir a Jesus o batismo com o Espírito Santo. Naquela mesma semana, após o culto de quinta-feira, acompanhada da irmã Nazaré, ela continuou buscando a face do Senhor, e à uma hora da madrugada, Jesus a batizou com o Espírito Santo e com fogo, e ela fa­lou durante mais de duas horas em outras línguas com Deus! Segundo o que docu­mentou Gunnar Vingren, "foi a primeira operação do batismo com o Espírito Santo feita pelo Senhor Jesus Cristo em terras brasileiras".

No outro dia, a irmã Nazaré, que vira a irmã Celina ser batizada, relatou aos de­mais membros da igreja tudo o que teste­munhara. Naquele mesmo dia, orando em companhia de outras irmãs no local onde os missionários realizavam cultos de ora­ção, a irmã Nazaré também foi batizada com o Espírito Santo, e cantou um hino no Espírito! Com exceção de um evangelista e da esposa de um diácono, todos os demais irmãos que testemunharam a manifesta­ção do poder de Deus na vida daquelas duas irmãs, creram que tudo aquilo era obra do Espírito Santo.

 

 

A visita do pastor e suas conseqüências

Certa noite, quando vários irmãos reu­nidos no porão onde moravam os missioná­rios, oravam e cantavam hinos de louvor a Deus, o pastor Erick Nilson, para surpresa de todos, ali apareceu. Gunnar Vingren e Daniel Berg já sabiam que ele não apoiava a doutrina do batismo com o Espírito San­to. Nem ele nem Raimundo Nobre, que es­tava estudando para evangelista. Sabiam também que o pastor Nilson, logo que che­gara ao Brasil, começara a pedir que Deus cumprisse nele essa promessa. Depois de catorze dias de ele buscar a Deus, supli­cando em todas as horas disponíveis do dia e da noite que o Senhor o revestisse de po­der, finalmente Deus começou a derramar poder sobre ele, porém sua esposa, ame­drontada, pediu-lhe que parasse com ''aquilo", e não permitiu que ele recebesse a grandiosa promessa. A partir de então, Nilson tornou-se inimigo da doutrina pentecostal.

Quando o pastor entrou no recinto, os irmãos se levantaram para saudá-lo. Fez-se total silêncio na sala. Os missionários convidaram-no a participar do culto im­provisado, mas ele recusou. Diante da sur­presa e do ligeiro temor de alguns irmãos, o pastor identificou com o olhar a cada um dos crentes ali presentes, e disse:

- Vejo que chegou a hora de tomar uma decisão. Há algum tempo venho observan­do discussões acerca de certas doutrinas que não admito como certas. Isto nunca aconteceu desde que comecei a pastorear a igreja aqui em Belém. Sei, contudo, que os responsáveis por essa situação são os ir­mãos Gunnar Vingren e Daniel Berg, que, possuídos de um sentimento separatista, têm semeado dúvidas e inquietação no seio da igreja.

-  Irmão Erik Nilson, - respondeu ime­diatamente Gunnar Vingren - Deus é tes­temunha de que não estamos aqui possuí­dos de nenhum sentimento separatista, e nem desejamos a desunião dos irmãos. Pelo contrário, queremos que todos sirva­mos a Deus unidos no mesmo Espírito. Po­rém, queremos aproveitar também este momento para tornar a afirmar que, se to­dos alcançarmos a experiência do batismo com o Espírito Santo, jamais nos dividire­mos; seremos mais do que irmãos, seremos uma só família.

Sei que a Bíblia fala acerca do batismo com o Espírito Santo e da cura divina, - respondeu o pastor Nilson, já alterando o timbre da voz. - Porém essas coisas foram para aquele tempo. Seria um absurdo que pessoas bem informadas viessem a acredi­tar que isso possa acontecer em nossos dias. Hoje, temos que ser realistas e procu­rar não nos envolver com sonhos e falsas profecias. Quanto aos senhores missioná­rios, se não vos corrigirdes e reconhecerdes que estais errados, é meu dever comunicar a todas as igrejas Batistas o que está acon­tecendo, para que se previnam contra as vossas falsas doutrinas.

Gunnar Vingren e Daniel Berg ouviram tudo aquilo com a serenidade que os carac­terizava. Após todos ficarem em silêncio por alguns instantes, Vingren tornou a fa­lar. Afirmou lamentar muito que assuntos de tal importância tivessem motivando uma discussão de caráter pessoal. Falou também que todos ali eram servos de Deus, e pregavam acerca do mesmo Deus. E finalmente concluiu:

- Na minha opinião, somos colegas, e não concorrentes. Saber-se quem leva as almas a Deus é coisa secundária. O que importa é que o número de almas salvas aumente cada vez mais. Não direi que o ir­mão não esteja na verdade, mas afirmo que não achou toda a verdade. Nós prega­mos a verdade do batismo com o Espírito Santo e da cura divina, que Jesus pode realizar ainda em nossos dias.

 

Daniel Berg

 

Após ouvir o que Vingren dissera, o pastor Erik Nilson encarou os presentes. Todos os irmãos permaneciam em silêncio absoluto. Fitando os rostos impassíveis e serenos, o pastor olhou firmemente para um diácono - um dos mais antigos membros da igreja Batista em Belém - e esperou encontrar nele o apoio que até en­tão não encontrara em nenhum dos irmãos presentes. Mas foi para surpresa do pastor Nilson que esse irmão, em nome dos de­mais, disse:

-  Agora somos pentecostais!

Pedindo inicialmente que o pastor Nil­son não os considerasse traidores do Evan­gelho, o diácono afirmou que os irmãos reunidos ali jamais tinham tido tanta fé. A explicação para aquela mudança era que eles haviam encontrado a fé e o poder do Espírito Santo!

-  Não temos queixa, pastor, - falou o diácono - de antes o irmão não nos haver falado acerca destas verdades, pois o se­nhor as desconhece e, não as conhecendo, não nos poderia ensiná-las. Porém dese­jaríamos que o irmão também recebesse estas bênçãos de Deus, a fim de nos enten­dermos melhor, e podermos sentir a mesma comunhão uns com os outros. Todos os irmãos aqui presentes encontram-se em um plano mais elevado, e mais perto do Céu. O irmão disse que é realista; pois bem, vou citar agora alguns casos reais ocorridos entre nós, algumas provas con­cretas do poder de Deus em nosso meio.

O diácono passou a relatar vários casos de cura ocorridos entre os irmãos. Certa ir­mã, que andava amparada por duas mule­tas, ouvia a pregação dos missionários acerca da cura divina, e, orando com fé, fora completamente curada! A irmã ainda usava as muletas, mas dependuradas na parede de sua casa, em local bem visível, para que todos vissem de que modo mara­vilhoso Jesus a curara! O caso da irmã Ce-lina também foi citado, juntamente com outros.

- Caro pastor, - concluiu o diácono -não queremos nem podemos acusá-lo de nada. 0 irmão tem trabalhado a fim de ga­nhar almas para Jesus, tem orado para que Deus dê força aos enfermos, para que eles possam suportar suas enfermidades, mas não orou para que Jesus os curasse; tam­pouco nos doutrinou acerca do batismo com o Espírito Santo, porque o senhor não crê nestas verdades. Porém, o irmão é tes­temunha ocular de alguns casos que acabei de citar.

Após ouvir as surpreendentes palavras do diácono e concluir que não encontraria ali o apoio de ninguém, o pastor Nilson di­rigiu-se a Vingren e Daniel, e lhes disse:

-  Já tomei a decisão que tinha de to­mar. A partir deste momento, os senhores não podem mais ficar morando aqui. Pro­curem outro lugar; depois de tudo o que aconteceu, não os quero mais neste porão.

Em seguida, dirigiu-se ao pequeno gru­po de crentes e perguntou:

-  Quantos estão de acordo com essas falsas doutrinas?

Dezoito pessoas levantaram suas mãos, e foram avisadas de que seriam imediata­mente excluídas de comunhão da igreja. Essa exclusão foi ilegalmente efetivada pelo seminarista Raimundo Nobre.

Vingren e Daniel Berg agradeceram ao pastor Erik todos os favores que este lhes havia prestado, e desejaram que em breve ele fosse também alcançado pela bênção do batismo com o Espírito Santo. Sem di­zer palavra, o pastor virou-lhes as costas e retirou-se.

 

Surge a nova igreja

Os dois missionários estavam agora sem ter para onde ir. Porém não se abala­ram diante daquela situação. O Senhor Je­sus, que os tinha dirigido até aquele mo­mento, certamente continuaria com eles e os conduziria triunfalmente na gloriosa jornada que iniciavam. Antes mesmo de Daniel e Vingren expressarem qualquer palavra com relação ao futuro que lhes aguardava, um irmão se adiantou e falou em nome dos demais.

- Irmão Vingren e irmão Daniel, com­preendemos a vossa preocupação. Quero dizer, porem, que tenho à vossa disposição uma grande sala em minha casa, que pode ser utilizada para realização de cultos. Quanto ao problema da moradia, minha casa tem espaço suficiente para ambos.

Felizes diante da imediata providência de Deus, os missionários aceitaram o con­vite. Naquela mesma noite, na casa da ir­mã Celina de Albuquerque, na rua Siquei­ra Mendes, 67, no dia 18 de junho de 1911, sob a direção de Vingren e Daniel, foi reali­zado oficialmente o primeiro culto pente-costal no Brasil. A igreja foi organizada com o nome de Missão de Fé Apostólica.

E assim, sob o límpido céu equatorial, como trigo semeado entre pedras e espi­nhos, alva e resplandecente como um lírio, começou a florescer nas cidades e nas sel­vas do Pará e do Amazonas, a igreja que, em 11 de janeiro de 1918, seria denomina­da Assembléia de Deus. E nada, nada con­seguiu deter seu avanço. Ataques, acusa­ções e folhetos caluniosos só serviram para aumentar o número de pessoas que vinham assistir aos cultos pentecostais e ou­vir Gunnar Vingren e Daniel Berg falarem acerca do batismo com o Espírito Santo e da cura divina, e sobretudo verem a mani­festação do poder de Deus entre os irmãos.

 

Colportando as sementes de vida eter­na

Quando as Bíblias e os Novos Testa­mentos, pedidos por Daniel Berg, chega­ram dos Estados Unidos, iniciou-se então em Belém o que podemos denominar de a primeira atividade de colportagem dos pentecostais. Para desenvolver a colporta­gem a contento, Daniel Berg deixou o em­prego na fundição, e logo constatou que não era difícil vender sua preciosa merca­doria, pois, naquela época, Bíblias e Novos Testamentos em português eram raridade no Brasil. Ele saía pela manhã com sua maleta de colportor, caminhando por ruas e estradas, batendo em dezenas de portas, oferecendo Bíblias e Novos Testamentos, e ao mesmo tempo convidando as pessoas a comparecerem ao culto, à noite.

E os frutos daquela semeadura começa­ram a surgir. Após crerem no Evangelho de liberdade e transformação, homens que negociavam com cigarros e bebidas alcoóli­cas queimavam essas mercadorias e passa­vam a negociar em outro ramo de comercio. Ao crerem no poder de Jesus Cristo, enfermos eram alcançados pela cura divi­na.

Para intensificar suas atividades de evangelismo e colportagem, Daniel resol­veu seguir ao longo da estrada de ferro Belém-Bragança, onde dezenas de cidades e vilas jamais haviam sido evangelizadas. Após despedir-se da igreja e de Gunnar Vingren, o qual estava desenvolvendo um considerável ministério como pregador, di­rigente e fundador de trabalhos, Daniel Berg partiu, levando consigo duas malas cheias de Bíblias, e no coração a poderosa chama do Espírito Santo. Partiu pouco an­tes do amanhecer, quando pelos caminhos ainda soprava a brisa suave da madruga­da, e os pássaros saudavam docemente a pálida luz da aurora, que pouco a pouco inundava a vastidão do céu.

Sabedores de que a Palavra da Verdade caminharia junto com aquele homem des­temido, e em breve resplandeceria em mi­lhares de corações, os padres daquelas ci­dades e vilas ordenaram que ninguém con­versasse nem acolhesse em suas casas um homem alto, forte, que carregava consigo duas malas contendo livros e insistia sem­pre em conversar com aqueles a quem se dirigia. Daniel entendeu rapidamente a si­tuação. Ao andar pelas ruas do primeiro lugarejo que encontrou no início de sua viagem, observou que todos o olhavam, cu­riosos e apreensivos.

Após caminhar por algumas horas, o missionário resolveu descansar sob uma frondosa árvore. Era quase meio-dia, e o calor se intensificara. Na limpidez do céu azul, o sol brilhava implacável. Sob aquela sombra acolhedora, Daniel pediu a Deus que interferisse poderosamente em seu fa­vor, esmiuçando as muralhas da descrença e penetrando na dureza dos corações. Fez uma ligeira refeição e esperou que a leve brisa da tarde começasse a soprar.

Deus o conduziu, da sombra daquela árvore a uma casa onde uma senhora idosa jazia sobre o leito, gravemente enferma. E ali, entre velas e algumas pessoas que reza­vam ajoelhadas diante de uma imagem, Deus manifestou o seu poder através de Daniel Berg. Ajoelhado à cabeceira da cama daquela mulher que momentos antes havia sido desenganada pelo médico, o missionário começou a conversar com a en­ferma.

-  A senhora tem fé em Deus e em seu Filho Jesus Cristo?

Ela não pronunciou nenhuma palavra, mas acenou afirmativamente com a cabe­ça.

- Afirmo-lhe que Jesus se encontra pre­sente neste quarto e está pronto a curá-la continuou Daniel. - A única coisa que a senhora tem a fazer é crer nele. Desprenda-se da contemplação desta imagem, afaste o seu pensamento dela e dirija-o a Jesus, agora. Foi para dar salvação e paz a todos, sobretudo a pessoas como a senhora, que Ele morreu na cruz. Creia nestas verdades, e será curada e liberta do pecado.

Todos os presentes estavam admirados, ouvindo atentamente as palavras que aquele estranho, ajoelhado ao lado da ca­ma, dizia à enferma.

- Mas isto parece ser coisa muito sim­ples! - respondeu a mulher. - Será possível chegar a Jesus tão facilmente?

- Sim, é absolutamente possível. Nós, os seres humanos, costumamos colocar obstáculos no caminho de Deus, e, conse­qüentemente, impedimos que Ele faça a obra em nossa vida. Porém, se a senhora quiser, eu posso pedir a Ele que a cure e que escreva o seu nome no Livro da Vida.

A enferma aceitou. Daniel Berg então pediu que todos curvassem a cabeça reve­rentemente, e, orientando a enferma a acompanhá-lo em oração, ergueu sua voz aos céus. Após a oração, confessando estar sentindo um indizível refrigério em sua al­ma, a senhora adormeceu.

Ao sair daquela casa, o missionário dei­xou uma nova criatura em Jesus Cristo. Tempos depois, vários parentes daquela senhora se converteram ao Evangelho, e o seu lar  foi transformado em uma  Assembléia de Deus!

 

Resgatando almas para Jesus

Muitas foram as experiências vividas por Daniel Berg durante sua longa cami­nhada margeando a estrada de ferro Belém-Bragança. Por ele ter sido perseveran­te, e acreditado que a chama pentecostal em breve irromperia em inúmeros pontos do Brasil, e por não se ter entristecido com as afrontas e agressões físicas, as sementes plantadas germinaram e floresceram. E os frutos do seu labor perseverante estão sen­do colhidos há mais de 70 anos em todo o território brasileiro.

Evangelizando as cidades e os lugarejos que encontrava ao longo da Belém-Bragança, "o estrangeiro que vendia Bíblias" caminhava anunciando a Luz Eterna que redime os corações. E era ou­vindo a Palavra de Deus que muitos adver­sários do Evangelho se convertiam e saíam por sua vez, a levar a outros a mensagem de salvação. Como fruto daquela dificulto­sa viagem, em pouco tempo vinte As­sembléias de Deus surgiram entre Belém e Bragança.

E assim, apesar das barreiras erguidas por todos os lados; apesar das perseguições e das agressões físicas (certa vez jogaram lama no rosto de Daniel, quando ele estava pregando), a obra de Deus cresceu porten­tosamente, avivada pela chama do Espíri­to Santo.

De Bragança, Daniel partiu para levar o Evangelho aos moradores de centenas de casebres construídos em plena selva. Dei­xou ruas e estradas para trás, e passou a caminhar por veredas estreitas, por cami­nhos desconhecidos, por trilhas abertas na floresta tropical. Ali, gigantescas árvores erguiam possantemente, formando, no al­to, em todas as direções da selva, um teto de folhagem que só permitia, num e noutro lugar, a filtragem de alguns raios solares. Não existe sol do meio-dia nas florestas. A fraca luminosidade sob as árvores dá a im­pressão de se estar sempre em pleno entar­decer.

Conduzindo duas malas repletas de Novos Testamentos e Bíblias, Daniel ca­minhou pela selva à procura de almas para o reino de Deus. Logo aprendeu que os mo­radores daquela região costumavam cons­truir suas casas nas proximidades de cla­reiras e nas margens dos rios.

Próximo a uma daquelas humildes ca­sas de palha, certa vez ele se deparou com um grupo de crianças que brincavam. De­pois de conquistar-lhes a confiança, Daniel ficou sabendo, através delas, que a mãe de um rapazinho ali presente havia morrido naquele dia. Conduzido por esse rapaz, Daniel entrou naquela casa onde algumas pessoas choravam ao redor da morta. Leu um trecho da Bíblia sobre a ressurreição; orou; confortou o dono da casa e ganhou aquela família para Jesus.

 

 

O Evangelho anunciado sob persegui­ções

Antes de se afastar daquela localidade, Daniel foi vítima de um atentado, mas o Senhor fez com que os homens sanguiná­rios o confundissem com um morador da­quela região. Porém, apesar das persegui­ções e da neutralidade da autoridade poli­cial local, um? pequena congregação da Assembléia de Deus surgiu ali.

Após certificar-se de que a igreja que por ele fora estabelecida estava firmada em Jesus Cristo e cheia do poder de Cristo, Daniel despediu-se dos irmãos e partiu, se­guindo a direção que o Espírito Santo lhe indicava. Para atingir o lugarejo mais pró­ximo, era necessário alugar um barco e atravessar um grande rio. Na outra mar­gem erguia-se a selva e seus inumeráveis perigos.

 

O Evangelho nas selvas

Conversando com o barqueiro que o conduzia à margem, Daniel ficou sabendo que naquela região havia cobras gigantes­cas, onças pintadas e bandos de jacarés.

- Não conheço esta região, mas isso não me causa medo algum, pois Jesus está co­migo - disse Daniel ao barqueiro. E passou a fazer uma apresentação mais detalhada de Jesus, como o melhor amigo. No final daquela conversa, o barqueiro aceitou Cristo como seu Salvador. Sentados diante um do outro, dentro do barco, Daniel leu um trecho da Bíblia e pediu que o Senhor resgatasse aquela alma do pecado e da ig­norância.

Quando chegaram à outra margem, o dia começava a escurecer. Os sons carac­terísticos da selva saudaram Daniel Berg, que desembarcou rapidamente, pegou suas duas malas, rejeitou as armas que o bar­queiro lhe ofereceu (ele estava conduzindo a mais possante de todas as armas - a Bíblia) despediu-se dele e rumou para o es­treito caminho que se iniciava ali e se per­dia no interior da selva.

Começou a andar apressadamente, pois em breve seria noite,<e ele sabia que teria de atravessar um pântano. À medida que avançava, a vereda tornava-se mais estreita. Cipós cruzavam-se de uma árvore a outra, e havia galhos pelo chão, que lhe embaraçavam os passos. Mas ele caminha­va sob a luz do Altíssimo, e seu coração descansava na confiança depositada em Deus. Alcançou o pântano, tirou os sapa­tos, arregaçou as bainhas da calça e iniciou a dificultosa travessia, atolando-se aqui, caindo ali, até chegar ao outro lado. La­vou-se rapidamente, calçou os sapatos e continuou pela floresta.

Os sapatos começaram a calejar-lhe os pés. Ele os tirou imediatamente. Foi inco­modado pelas formigas, pisou em cactus, tentou livrar-se dos espinhos maiores, mas teve de continuar caminhando, pois a pe­numbra sob as árvores tornava-se cada vez mais densa, e havia os perigos noturnos da selva. Sentia dores na planta dos pés, mas não podia calçar os sapatos. Subitamente, estranhou ao ver que uma vala dividia o caminho. - "Quem teria interesse em ca­var uma vala no meio da selva?" - pensou. Mas parou imediatamente de caminhar ao lembrar-se do aviso dos irmãos: "Quando encontrar uma vala na estrada, principal­mente se for em terra mole, afaste-se dela, pois é o caminho da sucuri."

Ele ainda estava sob o efeito dessas pa­lavras, quando a gigantesca cobra apare­ceu à sua frente. A uma distância de me­nos de dois metros, a sucuri ergueu a cabe­ça até a altura do rosto de Daniel, e come­çou a fazer movimentos com o corpo, ten­tando hipnotizá-lo, como fazia com todas as suas vítimas, antes de atacá-las. Parali­sado pelo medo, o missionário começou a clamar angustiosamente em espírito, pe­dindo que o Senhor o livrasse daquele monstro pavoroso. O tempo parecia haver parado em toda a selva. Um suor frio des­cia lentamente pelo rosto de Daniel, e ele permanecia ali, parado diante da morte, clamando insistentemente a Deus. Súbito, todo o corpo da sucuri estremeceu; ela des­viou sua cabeça para o lado, movimentou rapidamente seu enorme corpo, e sumiu por entre as árvores.

Daniel glorificou o nome do Senhor por aquele grande livramento, e reiniciou sua viagem, sentindo a alma leve e o coração cheio de júbilo e de gratidão a Deus!

Quando conseguiu alcançar uma vere­da um pouco mais larga, a noite já se apos­sara completamente da floresta, e a escuri­dão era total. Caminhando descalço, Da­niel temia pisar em algum inseto venenoso ou ser picado por uma cobra. De repente o urro de uma onça cortou o silêncio da noi­te. 0 missionário parou e esperou que a fera desse outro sinal. A onça urrou outra vez, em um lugar mais próximo dali. Subi­tamente começaram a ser ouvidos os lati­dos de um cão, mas logo se transformaram em ganidos, e em seguida silenciaram.

Daniel continuou a caminhar, os olhos prescrutando a densa escuridão da selva, os ouvidos atentos aos ruídos noturnos, es­perando a onça urrar a qualquer momento.

Inesperadamente, uma pequena luz se mo­vimentou por entre as árvores, e começou a se aproximar dele. Era uma lamparina de querosene. O homem que a conduzia olhou desconfiado para Daniel, mas logo adqui­riu confiança ao ser cumprimentado pelo missionário. Após trocarem algumas pala­vras, o homem ergueu a lamparina acima de sua cabeça e apontou para os restos sanguinolentos de um animal que jazia morto há alguns metros dali, e disse:

-  Era o meu cachorro. Ele nunca en­frentara a onça diretamente. Mas hoje algo o levou a enfrentar a fera até a morte.

Imediatamente Daniel entendeu que Deus usara aquele cachorro para livrá-lo das garras assassinas da onça. Após convi­dar o missionário a hospedar-se em sua ca­sa, o caboclo falou:

- O senhor deve ter uma arma bem pos­sante, pois só estando bem armado alguém teria coragem de andar por esses lados, cheios de cobras e onças.

- Sim, realmente eu ando bem armado. A minha arma é esta - respondeu Daniel, mostrando-lhe a Bíblia.

Caminharam até chegar diante de uma casinha humilde, de paredes de barro e de varas (taipa), com teto de palha. Ali mora­va aquele homem com a esposa e filhos. Eles arranjaram água para o missionário lavar os pés, ajudaram-no a se livrar dos espinhos maiores (no outro dia, o ajuda­riam a tirar os menores), prepararam-lhe uma rápida refeição e providenciaram um lugar onde ele pudesse repousar aquela noite. Naquela casa o Senhor mais uma vez livrou Daniel de ser picado por uma cobra. No dia seguinte, após presentear o caboclo com uma Bíblia, Daniel prosse­guiu sua viagem, sabendo que deixara a se­mente do Evangelho plantada naqueles co­rações.

Caminhou até o anoitecer, quando pa­rou para dormir em uma cabana sem teto. A chuva que caiu naquela madrugada deu-lhe a impressão de que a água arrastaria a cabana. Porém seu coração estava tranqüi­lo, pois ele sabia que as Bíblias estavam bem protegidas dentro da mala. Mas as roupas que usava só secaram algumas ho­ras depois, quando ele reiniciou a viagem até chegar a um lugarejo, onde um peque­no grupo de irmãos o recebeu.

Naquele vilarejo, Daniel realizou cultos ouvindo urros de onças e gritos de outros animais bem próximo da casa onde os ir­mãos se reuniam. Segurando em uma das mãos a lamparina de querosene e empu­nhando a Bíblia com a outra, Daniel Berg lia a Palavra de Deus diante da pequena congregação. Por não dispor das mãos li­vres, os mosquitos picavam o seu rosto, pescoço e braços. Foi em um desses cultos que ele contraiu malária. Debilitado e sen­tindo febre e calafrios por todo o corpo, o missionário ficou acamado durante vários dias. No intuito de reanimá-lo, os irmãos chegaram até a preparar-lhe um jantar es­pecial, cujo prato principal era uma das iguarias da selva: um macaco cozido! Agradecendo a gentileza dos irmãos, o mis­sionário confessou não estar com apetite.

Alguns dias depois, Daniel foi recondu­zido a Belém em companhia de dois ir­mãos (um deles fora enviado por Gunnar Vingren, que dias antes recebera uma car­ta de Daniel, onde este lhe falava do seu estado de saúde).

Os três viajantes atravessaram a selva, foram transportados pelo mesmo barqueiro que fizera a travessia de Daniel Berg, chegaram em terra firme e caminharam até a estrada de ferro onde Gunnar Vin­gren os esperava. Daniel foi conduzido à casa de Vingren, e lá ficou, tendo crises de febre até que o Senhor o curou. (Alguns meses depois, o missionário tornou a con­trair a doença, mas, então o Senhor o cu­rou de uma vez por todas.)

Deus ainda usou inúmeras vezes o seu servo no meio dos perigos da selva, dos rios caudalosos e de homens sanguinários, até chamá-lo, em 1963, para as mansões eter­nas. Mas nem o naufrágio que sofreu, pela correnteza de um perigoso rio, ao navegar em uma pequena canoa, nem as dificulda­des enfrentadas durante as viagens no bar­co Boas-Novas, nem as palavras e os gestos ameaçadores que lançaram sobre ele e Vingren, quando visitavam a ilha de Marajó, fizeram-no desistir do empreendimento maravilhoso de levar a Palavra de Deus aos corações de muitos daqueles que vi­viam em pequenas cidades e entre rios e florestas daquelas regiões longínquas.

Na condição de evangelista e primeiro colportor pentecostal no Brasil, Daniel Berg avançou pelas selvas adentro, alcan­çou casas isoladas e lugarejos de difícil acesso; caminhou centenas de quilômetros a pé, navegou pelos rios do Amazonas e do Pará, sob o sol, sob a chuva, de noite e de dia, por veredas estreitas e mato fechado, enfrentando os mosquitos transmissores da malária, os perigos e as surpresas da flores­ta e do coração do homem mau, e realizan­do um trabalho superior ao de Fernão Dias Paes Leme, o bandeirante caçador de es­meraldas, pois pescava almas preciosas para o reino de Deus.

À semelhança do grande bandeirante, ele também desbravou o desconhecido, mas tão-somente à procura de almas, de "esmeraldas" resgatadas das impurezas da terra para serem conduzidas aos tesou­ros do Céu. E dele pode-se dizer o mesmo que Olavo Bilac disse de Fernão Leme:

"Cada passada sua era um caminho que surgia." Pelas veredas do Evangelho dificultosamente abertas, germinaram, como sementes férteis, suas gotas de suor, suas lágrimas, a fome, as vigílias. E hoje, sob as mãos abençoadoras de Cristo, quando a Assembléia de Deus cresce em todo o Bra­sil, as inúmeras atividades evangelísticas reascendem continuamente nos corações de todos os pentecostais, a esperança de um dia, nas ruas da Jerusalém Celestial, podermos nos encontrar com o nosso irmão Daniel, aquele que, para levar a semente de vida eterna ao coração de milhares de brasileiros, enfrentou os perigos das selvas amazônicas.

 

EXTRAÍDO DO LIVRO "Eles Andaram Com Deus" de Jefferson Magno Costa da editora CPAD - www.CPAD.com.br

 

 

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